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E, de repente, eis que nada é de repente

De repente o amor acaba, o emprego basta, a casa vira uma bagunça, o corpo adoece, a amizade azeda. E de repente nos surpreendemos com estes acontecimentos, acreditando piamente que de repente, não mais que de repente, eles aconteceram, brotaram, surgiram do nada, do dia para a noite.

Mas não é bem assim. Uma análise sincera, geralmente e apenas depois das perdas, nos mostra que aos poucos e, às vezes por longo período de tempo e ações, os relacionamentos de amor e amizade, trabalho e afins já davam seus sinais de queda.

Como já contextualizado pelo psicólogo e escritor Rossandro Klinjey: “é preciso muita disciplina para a gente fazer tudo dar errado”. Mas, de fato, é imerso na alienação que não enxergamos nossas desconstruções e as do próximo, dia a dia, ano a ano. E se não fazemos nada para mudar, se aceitamos pacatos e inertes, não podemos nos eximir da culpa pelas suas consequências e também não podemos nos colocar no papel de vítimas dos acontecimentos, do “inesperado”.

Negligenciar carinho e atenção ao parceiro amoroso, aos amigos ou familiares, não acompanhar as atividades escolares e relacionamentos dos filhos, não buscar evoluir nos desafios profissionais, descuidar da alimentação, do sono, dos cuidados com o corpo e a mente, acumulando tarefas estressantes, são algumas práticas que no longo prazo, um dia, mas não de repente, vão gerar seus resultados.

Mas por qual motivo não tomamos uma atitude em tempo? Alienamos por comodismo, por falso conforto, por medo de enfrentar a verdade?

A análise cabe a cada um em sua realidade, mas a parábola do “sapo na panela” pode ajudar na reflexão. Para quem não sabe, ela conta que um sapo foi colocado dentro de uma panela com água da lagoa que foi gradualmente sendo aquecida. Partindo do seu conforto inicial e não sentindo os efeitos do aumento da temperatura da água, ele permanece na panela até que a água ferve e ele morre. No entanto, ao colocar outro sapo na panela já com a água em ebulição, este salta instantaneamente.

Fazendo um paralelo à parábola podemos concluir que se é na atenção, no estado de alerta que seguimos em frente, aptos não apenas a se preservar, mas também de perseverar para a conquista e manutenção de nossos objetivos pessoais e profissionais, é na falta deste instinto ou de atendimento a ele que, “de repente”, nos vemos fervidos na panela.

Feliz Ano Todo

 

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Enfim, começamos um ano novinho em folha. Janeiro é sinônimo de euforia, de ansiedade, de esperança em um futuro melhor. Teremos 12 meses pela frente para colocarmos em prática àquela lista de desejos de aquisições e de desapegos, de mais saúde, de menos peso, de mais dinheiro, de menos stress e por aí vai.  Nós sabemos que a virada do calendário a cada ano é apenas simbólica, porém nos agarramos à ideia do fechamento e início de ciclos para que possamos nos fortalecer, nos revigorar e nos lançar a novos desafios, e isso é importante.

Mas, é a capacidade de mantermos a motivação, o espírito de renovação ao longo de todo o ano que faz a diferença para alcançarmos pelo menos metade do que almejamos. Caso contrário, caímos na armadilha tão comum da sensação de fracasso, da perda de tempo, da falta de tempo, da vontade de apressar o tempo e querer que o ano acabe mais rápido, para “acabar” com os nossos problemas, para por fim às nossas decepções. Na verdade, com este pensamento apenas conseguimos envelhecer “mais rápido” e aumentar a sensação da “derrota”: nossa, do outro, do mundo ao nosso redor, começando pelos nossos projetos pessoais e profissionais passando pelos projetos de nossas comunidades, cidades, país.

Então, qual seria a chave para a manutenção do espírito do ano novo? Não seria vivenciarmos mais e melhor o fechamento de cada dia e não de cada ano como uma nova oportunidade para mudar, para recomeçar? Não seria mais sábio não termos de esperar dezembro chegar para fazer o balanço de nossos projetos, mas usar o belo e bom travesseiro toda noite para pensarmos no que deu certo e no que deu errado no dia e como poderíamos fazer diferente, como poderíamos recuperar o que perdemos ou manter ou ampliar o que conquistamos, ou mesmo partirmos para outras rotas, outras experiências, relacionamentos, atividades no dia seguinte?

Que tal olharmos verdadeiramente para cada amanhecer como uma nova chance? Afinal, com prazos mais curtos, memória mais fresca estes micro balanços não seriam mais efetivos, mais viáveis e fáceis de serem manejados?

O fato é que os bons e maus momentos acontecem e se reciclam o tempo todo. Enquanto uns nascem, outros morrem, enquanto alguns perdem emprego, outros conquistam novos cargos, tragédias e bênçãos se repetem aqui e acolá e isso não se altera a cada mês de janeiro, mas a cada dia.

Então, que não precisemos de um mês de dezembro para nos imbuir de um espirito de fraternidade e nem de janeiro para recomeçar. Que possamos experenciar a vida todos os dias, confiantes com os seus altos e resilientes com seus baixos. Que possamos nos doar e fazer o nosso melhor todos os dias, por nós, pelo próximo, para o melhor de todos nós. Que possamos, enfim, celebrar o ano todo.

Viver o luto para viver de novo

 

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Cada um reage à morte de um ente querido de uma forma muito particular, alguns choram, outros se isolam, outros se endurecem, outros parecem – apenas parecem – sentir nada. Independente da forma como reagimos externamente, é certo que no fundo de nossas emoções, muitas transformações ocorrem quando perdemos alguém que amamos para a morte, às vezes de maneira até inconsciente. Sentimo-nos impotentes, vazios, perdidos, órfãos, injustiçados, sozinhos em um universo paralelo, à margem dos acontecimentos.

A permanência destes sentimentos também varia de pessoa para pessoa, estando muitas vezes atrelada à vontade de manter viva as boas memórias de quem se foi. Mas até onde seguir junto com esta memória e de que forma sem que ela não nos faça sofrer e nos impeça de seguir adiante, na vontade de viver? A resposta pode estar no ponto em que mais do que nos preenchermos de memórias, procuramos nos preencher de alguém que de fato não está mais presente em nosso plano, em nosso cotidiano, em nossa rotina, em nosso espaço, em nosso abraço.

Encarar a nossa impotência e a do outro e acreditar que fazemos parte de um plano maior, mais justo, onde possamos nos reencontrar certamente ajuda a aceitar a dor com mais resiliência e seguir adiante. Mas isso nem sempre é possível para quem tem diferentes crenças sobre a criação, sobre a morte e a vida, não é mesmo? Para estes, poderia dizer que a saída está em encarar a despedida de frente, de peito aberto, sem amarras, sem esconderijos na alma, sem meias palavras, sem subterfúgios. Se para estes não há sentido e nem continuidade, que se continue o que aqui permanece vivo e concreto.

Tive a grata oportunidade de estar frente a frente e até o fim na partida das duas pessoas mais amadas e que me deram a oportunidade da vida: minha mãe e meu pai. Não estranhe o termo grata, porque me sinto realmente grata por ter podido estar junto deles neste momento tão profundamente triste, mas que foi essencial para a minha despedida, para a minha imersão no que eles representavam para mim, para o que precisava dizer a eles (em voz alta, em meus pensamentos, em meus escritos).

Não me camuflei, chorei, entristeci, tive até vontade de partir, não por mim, mas por eles. Mas também por eles, e por aqueles que amo e estão vivos ao meu lado, renasci e estou ainda renascendo a cada dia. Mais do que isso, buscando o sentido para sorrir, para ser feliz todos os dias, até o dia em que eu mesma tenha de partir.

Amor, sociedade ilimitada

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Na tentativa de traduzir o amor, muitas palavras já foram usadas, mas acredito que a que melhor completa o significado para este sentimento tão complexo é “associar-se”, pelo seu sentido de reunião, de soma, de comunhão de interesses, nos seus aspectos mais amplos.

Embora não exista fórmula para o amor perfeito, tenho a teoria de que os relacionamentos duradouros são os que se constituem sob uma composição societária. Porque é isso que um relacionamento amoroso se fundamenta, embora muita gente não o veja desta forma nada romântica.

O fato é que vivemos juntos de quem amamos numa base de divisão de tarefas, investimentos e rendimentos, cada qual com seu perfil de atuação e dedicação. Em uma área ou segmento da convivência há sempre o que lidera e o que opera, sendo ambos essenciais para o conjunto, a harmonia dos resultados, para o lucro do relacionamento.

Por isso, para uma “sociedade amorosa” dar certo, também é preciso inspiração, comprometimento, motivação, reconhecimento, todos os dias, entendendo que haverá dias em que uma parte ou outra estará mais ou menos inspirada para a sua tarefa.

O currículo para entrar nesta sociedade? Bagagens familiares, experiências em relacionamentos anteriores, nas sociedades vizinhas, e onde as desilusões alheias ou do passado não devem criar dividendos de rancor e comparações, mas sim ser a base para a construção de novos valores, para o aperfeiçoamento de novos processos, novos investimentos.

Também deve-se ter claro que não são os grandes projetos ou acidentes de percalços os maiores desafios para a longevidade desta sociedade, mas a rotina, o cotidiano cheio de marras, de coisas pequenas, de mesquinharias… mas também de acolhimentos, de admiração mútua, de gestos de carinho, de parceria, de amenidades.

A única diferença de uma sociedade profissional para uma sociedade amorosa é que na maioria das vezes não escolhemos a quem amar como escolhemos a quem nos associar profissionalmente. Mas é pela vontade mútua e pelos lucros sem valor financeiro, que na amorosa decidimos continuar.