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Viver o luto para viver de novo

 

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Cada um reage à morte de um ente querido de uma forma muito particular, alguns choram, outros se isolam, outros se endurecem, outros parecem – apenas parecem – sentir nada. Independente da forma como reagimos externamente, é certo que no fundo de nossas emoções, muitas transformações ocorrem quando perdemos alguém que amamos para a morte, às vezes de maneira até inconsciente. Sentimo-nos impotentes, vazios, perdidos, órfãos, injustiçados, sozinhos em um universo paralelo, à margem dos acontecimentos.

A permanência destes sentimentos também varia de pessoa para pessoa, estando muitas vezes atrelada à vontade de manter viva as boas memórias de quem se foi. Mas até onde seguir junto com esta memória e de que forma sem que ela não nos faça sofrer e nos impeça de seguir adiante, na vontade de viver? A resposta pode estar no ponto em que mais do que nos preenchermos de memórias, procuramos nos preencher de alguém que de fato não está mais presente em nosso plano, em nosso cotidiano, em nossa rotina, em nosso espaço, em nosso abraço.

Encarar a nossa impotência e a do outro e acreditar que fazemos parte de um plano maior, mais justo, onde possamos nos reencontrar certamente ajuda a aceitar a dor com mais resiliência e seguir adiante. Mas isso nem sempre é possível para quem tem diferentes crenças sobre a criação, sobre a morte e a vida, não é mesmo? Para estes, poderia dizer que a saída está em encarar a despedida de frente, de peito aberto, sem amarras, sem esconderijos na alma, sem meias palavras, sem subterfúgios. Se para estes não há sentido e nem continuidade, que se continue o que aqui permanece vivo e concreto.

Tive a grata oportunidade de estar frente a frente e até o fim na partida das duas pessoas mais amadas e que me deram a oportunidade da vida: minha mãe e meu pai. Não estranhe o termo grata, porque me sinto realmente grata por ter podido estar junto deles neste momento tão profundamente triste, mas que foi essencial para a minha despedida, para a minha imersão no que eles representavam para mim, para o que precisava dizer a eles (em voz alta, em meus pensamentos, em meus escritos).

Não me camuflei, chorei, entristeci, tive até vontade de partir, não por mim, mas por eles. Mas também por eles, e por aqueles que amo e estão vivos ao meu lado, renasci e estou ainda renascendo a cada dia. Mais do que isso, buscando o sentido para sorrir, para ser feliz todos os dias, até o dia em que eu mesma tenha de partir.

A morte como brinde à vida

mao arvore

Em todos os campos de nossa vida, atuamos em função da motivação. Trabalhamos mais e melhor sempre que recebemos uma injeção de ânimo, seja um aumento de salário, um novo curso profissionalizante, um novo livro de gestão de carreiras, um reconhecimento do patrão.

No amor, e especialmente com o passar do tempo de um relacionamento, também precisamos de novos elogios, novos olhares, resgates de carinho, que nos impulsionam para novos momentos de paixão. É o que chamamos de combustível da vida a dois.

Mas, paradoxalmente, nada nos impulsiona mais a viver do que a presença da morte, seja ela anunciada pelo prenuncio de uma doença conosco ou de um ente querido, ou mesmo inesperada, por uma fatalidade com alguém próximo, um conhecido.

A morte repentina de José Wilker no ultimo sábado retrata bem este sentimento. Em algumas conversas pessoais e nas redes sociais, em meio às manifestações de pesar pela partida abrupta do ator, várias pessoas trouxeram à tona a necessidade de se aproveitar mais a vida, da importância de valorizar o que é preciso, de focar na felicidade enquanto há tempo, porque o amanhã… ah, o amanhã… quem sabe?

É fato, a nossa existência é breve, efêmera, frágil. Mas será que somente nos deparando com a morte podemos valorizar a vida? Será apenas esta a mola propulsora, por sinal bem dolorosa, capaz de nos despertar? E quantas mortes seriam necessárias para nos manter em constante motivação?

Acredito que esta questão poderia ser resolvida com uma “pílula diária de reflexão”, ingerida todos os dias, pela manhã, ao abrir dos olhos, ainda em jejum. Cada qual deveria ingerir pelo menos 15 minutos antes de iniciar suas atividades. Tempo este suficiente para agradecer o acordar, para olhar no horizonte e com ele vislumbrar todos os acontecimentos e pessoas possíveis e que valem a pena investir naquele dia. Utópico? Não, totalmente viável como em toda mudança de hábito que buscamos para ter melhor qualidade de vida, em que se faz necessário, simplesmente, se dedicar. Neste caso, para literalmente… viver.